02 Dezembro 2021 - 04:00

Trabalho alertou sobre surto de sarna associado ao uso de ivermectina

Divulgação
Casos notificados em Pernambuco ainda estão em investigação

Um trabalho publicado pelo Núcleo de Estudos em Farmacoterapia (NEF) da Ufal pode servir de base para ajudar na investigação de um surto de escabiose, a sarna humana, que está acontecendo em Pernambuco. A hipótese levantada é que os casos estejam associados ao uso indiscriminado de ivermectina, medicamento que se popularizou no Brasil com o chamado “kit covid”.

O artigo publicado em agosto deste ano foi elaborado pelos pesquisadores do Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF), Alfredo Oliveira-Filho e Sabrina Neves, e pelos estudantes Lucas Bezerra e Natália Alves, a partir da observação de casos de resistência à ivermectina já relatados, surtos isolados e os dados de aumento de consumo do medicamento por causa da pandemia de Covid-19.

“O nosso artigo lança a hipótese de que poderíamos ter problemas com surtos de escabiose resistente, por conta do uso irracional da ivermectina. O surto está configurado, pois está havendo um aumento rápido de casos de lesões de pele com coceira e outros sintomas”, contextualiza Sabrina, mas ressalta: “Ainda não há diagnóstico da doença que está causando o surto. Algumas hipóteses da etiologia [origem] estão sendo testadas, entre elas está a escabiose levantada pelo artigo”.

A pesquisadora explica que ainda são necessários alguns testes e o descarte de outras hipóteses para então confirmar as questões levantadas no artigo.

Surto em Pernambuco e possível problema de saúde pública

Pelo menos 264 moradores de seis cidades da região metropolitana de Recife já apresentam lesões cutâneas, que ainda estão sendo investigadas pelas secretarias de saúde municipais.

Os pacientes se queixam de uma coceira forte, intensificada no período da noite, e que evolui para feridas, mesmo com o uso de antialérgicos.

Segundo Neves, para mapear os possíveis casos em outras regiões do Brasil, a vigilância epidemiológica emitiu um alerta com os sintomas para os serviços de saúde, assim todos devem notificar o atendimento a pacientes com os sintomas da doença.

A docente também está acompanhando de perto e, caso confirmado, prevê futuras complicações de saúde pública: “A hipótese do artigo é que é possível que o Sarcoptes scabiei, ácaro causador da escabiose pode ter desenvolvido resistência à ivermectina. Se essa hipótese se confirma, temos um problema enorme, pois a doença poderia atingir qualquer população, e o que é pior, com dificuldade de tratamento”.

Resistência a medicamento

O trabalho, assinado por Alfredo Oliveira-Filho, Lucas Bezerra, Natália Alves e Sabrina Neves, aponta que, após o início da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, “a ivermectina foi identificada como um fármaco com potencial antiviral para tratamento de pacientes - a princípio hospitalizados e depois ambulatoriais - com Covid-19”.

Por causa disso, o consumo desse antiparasitário aumentou quase dez vezes no Brasil. Mesmo com pareceres do Ministério da Saúde e da indústria farmacêutica, somados a evidências científicas, a prescrição e automedicação baseada neste medicamento continuaram a acontecer.

“O uso irracional de medicamentos é um problema de saúde pública, porém, no caso de antibióticos, antiparasitários e antifúngicos, esse problema ganha proporções maiores. Quando utilizamos de forma irracional/incorreta medicamentos, como a ivermectina, corremos o risco de induzir a resistência do parasita ao medicamento que deveria tratar a doença causada por ele”, reforça a professora Sabrina.

E, assim como antecipou o risco de aumento da resistência do Sarcoptes scabiei à ivermectina, ela deixa mais uma reflexão: “Esse é um problema mundial, principalmente no que diz respeito à resistência bacteriana, que é um problema sério, uma vez que já temos vária cepas de bactérias resistentes a antibióticos no mundo todo. Ou seja, nesse caso, o uso irracional do medicamento leva a um problema geral, pois gera cepas resistentes a tratamento, que podem infectar qualquer pessoa”. 

por Manuella Soares/Ufal

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