João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 24/05/2017 08:49

O Monologo da Odebrecht

Será que a minha iniciativa, um verdadeiro trabalho de alquimia que estou a empreender, manipulando a lama qual tenho vivido, conseguirá dela extrair, por meio da delação premiada e acordos de leniência, a pedra filosofal que irá dar início a moralidade pública do brasil? Estou desnudando a política nacional. Senado e Câmara dos Deputados estão atolados até o pescoço, passando por um banho para limpar as impurezas. A salvação do Brasil, quem sabe, comece a surgir desse lamaçal. Parece-me não ser um exagero dizer que a lama nos salvará, dela surgindo um oásis fértil no qual possam vicejar as boas virtudes. Não é verdade que do pântano possa germinar uma bela e perfumada flor? Fico na expectativa desse milagre dos milagres.

Triste sina dos que tem de enfrentar os tempestuosos azares da vida, ser uma vítima incauta das armadilhas, sentir-se enxovalhada e sofrer as consequências dos enganos. Mas quem está isento das boas ou más tentações? As boas surtem o rápido efeito da tranquilidade de consciência, enquanto as más, num misto de suspense e esperança, seguem o seu curso acreditando numa possível guinada rara se transformar num bem. Como não há crime perfeito, não passa de uma esperança inútil. É que eu sempre quis acreditar que o crime é puramente objetivo, somente tornando-se como tal se flagrado. Enquanto não, minha consciência, subjugada aos altos dividendos, segue tranquilamente sem temor e tremores. Isso não me impede, muito pelo contrário, de publicamente exaltar a honestidade. A aparência é tudo. Quando a mentira tem o poder de convencer, tem o mesmo valor da verdade.

A ganancia no seu incontido ímpeto nos cega, especialmente quando ofuscada pelos cifrões que acenam para o lucro certo e fácil. Não há espirito de cautela, afrouxando-se a dúvida e o bom senso. Não sei, sinceramente, até quando serei vítima dessa escuridão que me faz prisioneira de uma incontrolável cobiça.

Estava segura que a minha caminhada, já tendo percorrido confortável distancia que me colocou no topo entre as minhas concorrentes, transformaria-me, por tradição do poder, numa intocável. Sinto-me agora perdida e atordoada com o que está acontecendo, como iria imaginar que um juiz pudesse ter o topete de determinar a prisão de parlamentares e empresários como eu, do mais alto escalão. O estamento e o status social jamais sofreram tamanha humilhação. Querem profanar nossa sagrada tradição.

Resultado á parte dessa batalha moralista, sentindo-me sem rumo, pergunto-me: o que será de mim enquanto perdurar essa guerra utópica? Tolhida encontro-me para novos empreendimentos. O que será das minhas divagações megalomaníacas? A sorte, que parecia continuar a sustentar-me sem apreensão, acaba de apunhalar-me e suprimir minhas visões sempre tingidas com as mais vivas cores do otimismo. Meus olhos viviam voltados, sem limites, para as grandes alturas. Essa é a minha índole para crescer, crescer sem a possibilidade de enxergar, por mais longínquo que seja, um ponto que limite o fim da minha jornada. Sou a maior empreiteira do Brasil. Acontece que o Brasil não é o mundo, meu objetivo parcial até que se inicie a exploração de outros corpos celestes. Chego até a imaginar ser convidada por Deus para fazer reformas no paraíso, necessárias pelo discurso eterno do tempo. Seria a mais sublime e invejável das minhas realizações. Nada sou sem esses devaneios que me fazem sentir de um poder absoluto.

No início de minhas atividades, toda pura, jamais pensei na possibilidade de ser seduzida e ser envolvida pelas artimanhas demoníacas de tantos diabos responsáveis pelo destino do nosso país. E que Brasil fantástico que tem tudo para ser uma grande potência, não fosse o destino para dar-lhe raposas para cuidar do galinheiro! Posso ser uma otimista justamente quando vejo que todo esse imbróglio da lava-jato surgiu e germinou com todo viço no período petista, o partido promessa da regeneração moral da política? Mas, á parte toda essa situação infernal que estou a suportar, não posso deixar de agradecer aos meus demônios que fazem plantão no Congresso Nacional sem os quais não seria o que hoje sou, a poderosa Odebrecht capaz de corromper suspeitos e insuspeitos de corrupção. Seja qual for a modalidade, o poder, como dizia Ulisses Guimarães, é um orgasmo. O poder é meu prazer por excelência.

O Curioso é que não obstante possa parecer uma tremenda contradição confesso honestamente o meu sentimento e orgulho de ser Brasileira. Não me envergonho, nas solenidades públicas, de fazer continência a nossa bandeira e cantar, compenetrada, com a mão no peito, o hino nacional. A desgraça de todo esse sentimento, tão puro na aparência, é que hoje sofro de uma compulsão, como cleptomaníaco, para as grandes negociatas. Outra coisa a destoar o meu patriotismo é o cinismo de não aceitar a ideia vaga de de que o Brasil é dos brasileiros. Ora, aquilo que pertence a muitos, segundo Aristóteles, perde todo interesse. A minha parte quero recebe-la por antecipação, como venho fazendo. É o realismo da vida, prodiga em ações ideais e moralmente sujas. Calejada pelos ilícitos, não sofro aquilo que se chama remorso. Um certo peso de consciência que atravesso para agravar a minha desvairada conduta é a covardia.

Refiro-me a delação premiada e acordados de leniência, um expediente moleque, apesar de moralmente legal. Teve que ser assim, prevalecendo a lei da selva, coma para não ser comido. Afinal de contas nós, larápios de colarinho branco, não dispomos, como os marginais do crime organizado, de um código de honra. Ficará reduzido esse desencontro a um simples incidente. O tempo, mestre apaziguador e do esquecimento, logo irá cicatriza-lo. Não vejo a hora, passada a atormentados processos da lava-jato, o reencontro com meus cumplices para festejarmos o retorno das nossas farras. A improbidade faz parte do nosso DNA e dificilmente dele podemos nos livrar. O populacho vai ás ruas protestar contra a corrupção. Quantos desses pobres coitados, resistiriam frente as incandescentes cifras do ganho fácil? Ás virtudes não tem apenas um limite, tem também um preço, mesmo aos que espumam pela boca sua revolta contra a corrupção.

Infelizmente, nus das boas instituições, não temos uma tradição no sentindo de uma retidão de caráter. O ladrão, quando preso, sente-se um injustiçado em razão de tantos que estão soltos. Sente-se também como um filho relegado ao descaso na sua formação moral, razão para uma aceitável atenuante para seus crimes. Assim, pautados meus deslizes na nossa realidade, conforta-me por ser a cara do Brasil.
 

Comentários comentar agora ❯