João Pereira

João Pereira

Advogado, escritor e atento observador da política

Postado em 10/12/2009 15:25

Velhice Descartável e o Tempo, Artista da Deformidade

Ainda cedo, quando tomamos conhecimento que o homem era um animal, desde então ficamos decepcionados com essa classificação. Infelizmente, logo percebemos que as nossas funções são as mesmas dos demais, excetuando-se apenas no grau de inteligência. Mas por que o Criador, perguntava-nos, não nos fez diferentes a excluir-nos dessa igualdade? Sujeito aos efeitos corrosivos do tempo a envelhecê-lo, por que a sua existência não finda à altura de seus atributos de superioridade, sem a horrível deformação do corpo e o atrofiamento das faculdades mentais?

De ontem para hoje, dia após dia diante do espelho, nada percebemos que denote as marcas do tempo. Sua ação, no entanto, lenta e silenciosamente vai aos poucos deixando transparecer, imperceptível, a sua índole destruidora. Somente no atacado, decorridos alguns anos, especialmente quando ingressamos na chamada terceira idade, notamos quão enorme e avassaladora foi a sua ação contra a estética. Não só no aspecto físico, mas também no psicológico. Agora, a passos largos, esvai-se a vitalidade em tudo e, se não desaparece o desejo de viver, há um enfado pela vida, fato que não deixa de ser uma forma velada dela nos despirmos sem lamentações.

Variável é a longevidade e o vigor de cada um. Por mais otimista que sejamos, não podemos chamá-la de melhor idade, quando o melhor já se foi sem esperança de retorno. E torcemos o nariz para certas exibições ridiculamente visíveis, quando algum terceirista pretende mostrar uma virilidade, na verdade capenga ou inexistente, numa tentativa de enganar a si próprio e esconder os malefícios do tempo.

Alega-se, a favor da velhice, a sabedoria inexistente no jovem. E não pode existir porque ação e pensamento transitam por caminhos opostos. O jovem transpira ação e os tropeços dela decorrentes, inevitáveis e necessários, constituem o aprendizado de cada um. Nessa fase, os conselhos são chatos e irritantes, certamente por se acharem na contramão do tempo. A sabedoria, costumeiramente fria e taciturna em seu semblante, sendo um somatório de experiência e conhecimentos não é, apesar da sua respeitável e grande importância, uma virtude virtuosa vez que carrega em seu bojo resquícios bolorentos de inveja da juventude que, com todos seus pecados, é muito mais desejável. Quando passada a fase dos maus exemplos, passa-se a fase dos conselhos. A sabedoria, mesmo ao longe, cheira a cadáver.

A velhice, no homem, deveria ter um limite na sua duração, extinguindo-se automaticamente com a perda da realidade. A sua permanência além desse limite não tem nenhum sentido.

Dependente de todos, inútil para si mesmo e para os outros, ver gastado pelo tempo e em suas mãos entregue para continuar a deformar-lhe e debilitar-lhe a saúde, é uma imagem que emocionalmente nos deixa num misto de compaixão e inconformismo.

Tudo que é jovem na sua normalidade é belo e atraente. O velho, desmemoriado em seu retorno a ser criança-estorvo nada que faça traduz algum encanto. Contrariamente e bem a propósito, há poucos dias atrás, num restaurante, tivemos a oportunidade de ver uma caravana turística da terceira idade a almoçar. Não fazemos essa observação com o intuito de gracejar, já que fazemos parte dessa idade, mas apenas ilustrativo dentro da linha da presente abordagem.

Fizeram-nos lembrar gafanhotos a devorar uma plantação. Era um apetite e tanto! Um deles, boca flácida e desdentada, fazia o movimento da mastigação tão rápido que o lábio superior quase topava no nariz. Outros, estômago cheio, estampavam no mortiço e inexpressivo olhar a tranqüilidade do animal satisfeito. Triste quadro!

Todos nós temos uma jornada a cumprir, muitas encerradas de forma prematura e brutal. Achamos que aqueles que são distinguidos com a longevidade, não importa o número de anos, enquanto conscientes têm todo o direito de viver, mesmo que prostrados numa cama, paralíticos ou desmembrados em cadeiras de rodas. A consciência é o fundamental em nossas vidas e sem ela nada tem sentido num corpo que se move em estado vegetariano. Para quê?! É uma pena que não exista um costume entre nós ou uma lei que permita a execução da eutanásia quando o idoso, em declaração por escrito, manifestou o desejo de a ela submeter-se. As corriqueiras divergências a seu respeito são irracionais e infantis, pois, se a vida é o mais precioso bem, ninguém ou lei alguma pode interpor-se contra o desejo de alguém dela dispor como e quando bem entender. As crendices sociais pseudo humanitárias, os dispositivos legais e dogmas religiosos, a respeito, são os mais estúpidos pesadelos contra a liberdade individual. É o rebanho submisso que tem a faculdade de pensar, mas não pensa, sem o brilho da lógica e do racional, escrava das convenções, que pretende impor sua vontade.

Esse é o nosso ponto de vista, considerando-nos privilegiados se, oportunidade tivermos de chegar ao início da caduquice, sermos imediatamente ceifados desta vida. Pode ser que esse desejo e o pensamento que ora expomos seja considerado para muitos algo brutal e chocante, mas que se compatibiliza e está perfeitamente em harmonia com as nossas convicções.

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