Augusto N. Sampaio Angelim

Augusto N. Sampaio Angelim

Juiz de Direito em Pernambuco, apaixonado por Penedo

Postado em 07/11/2010 00:10

O Estudante e a Bibliotecária

Ele freqüentava a Biblioteca há mais de dois anos, porém nos últimos seis meses, estava lá diariamente, no período da tarde. Entre leituras e anotações, estava tão familiarizado com o ambiente que reconhecia os visitantes mais assíduos e todos os funcionários. Além de estudar, desenvolvera o hábito de observar a bibliotecária. Sônia, não deveria estar com trinta e poucos anos e, na maioria dos dias vestia uma calça jeans e blusas simples, e, quando o ar-condicionado diminuía a temperatura da sala, ela sempre tinha um casaco sobre os ombros. Nas sextas-feiras, era perceptível a mudança no seu visual, ousando em blusas mais decotadas e saltos altos e, vez por outra, se vestia com elegância de uma aeromoça, inclusive com os cabelos impecavelmente alinhados Encantado com a beleza daquela mulher que não se assemelhava com o estereotipo das bibliotecárias dos livros e filmes, ele inventou uma tabela diária em que anotava os estilos das roupas, cores dos batons, tipos de sapatos e modos de arrumar os cabelos. Na última coluna, às vezes, acrescentava uma observação: “linda”, “comportada”, “aeromoça”, “perigosa” e outros adjetivos.

Certa feita, sentiu que os olhos os claros dela lhe observavam e, desse dia em diante, lutava com dificuldade para se concentrar em seus estudos. Disposto a uma aproximação e sem saber o que fazer, diante das circunstancias do caso e de suas limitações materiais, resolveu lhe presentear com um bombom de chocolate Serenata de amor. Para sua surpresa, Sônia agradeceu com um de seus melhores sorrisos e esta receptividade lhe perturbou mais ainda, mas não surgia a oportunidade de entabular uma conversa ou qualquer outro tipo de aproximação. Quando terminava o expediente, a bibliotecária descia as escadarias internas do prédio diretamente para o estacionamento, de onde saia em seu carro. Ele, ao contrário, tinha que sair pelo acesso principal e atravessava toda a extensão da praça situada em frente ao prédio da biblioteca, para esperar o ônibus do outro lado. Muitas vezes, enquanto esperava a condução, via sua musa passar dirigindo seu pequeno carro.

Os dias iam passando e tudo continuava na mesma. Ele, vivendo todas as dificuldades de um universitário que morava num sótão de uma pensão de quinta categoria, não via oportunidade de se aproximar daquela que tanto lhe impressionava. Uma vez por mês de se dava ao luxo de ir à praia, aos domingos. Outro prazer que podia desfrutar, parcimoniosamente, era o cinema. Num sábado à noite, na fila da bilheteria do cine Veneza, preparando-se para assistir a última sessão do drama “Em algum lugar do passado”, pressente que alguém lhe observa e, quando olha para trás, avista Sonia. Uma mistura de sentimentos embaraçam o jovem estudante, que sequer consegue sorrir, embora a bibliotecária tivesse feito um aceno amistoso com a mão direita. Imediatamente ele se lembra das classificações que fazia dela: “linda”, “perigosa”.

Agora, ali bem pertinho dele, sua presença era grandiosa. Pensou: “deslumbrante”. Entrou no cinema e ficou perto do balcão da pipoca, esperando acontecer alguma coisa. Não demorou e Sonia veio até ele e conversaram sobre o filme e terminaram sentando um ao lado do outro. Não precisa nem dizer que ele não conseguia fixar o pensamento na película, ainda mais quando, descuidadamente a mão direita de Sonia pousou em sua perna esquerda. Com o coração quase a sair do lugar, pegou a mão dela, sentindo, ao mesmo tempo, a delicadeza de suas mãos e o perfume tranqüilo que exalava do corpo dela. Na saída, ela lhe convidou para irem até a um barzinho da moda, que ficava à beira-mar. Instantes de dúvidas, pela falta de dinheiro. Sem outra saída, disse que precisava voltar para a pensão, pois teria uma prova na segunda-feira. Era mentira, ou melhor, tinha a prova, mas o problema é que não tinha um centavo sequer no bolso e, portanto, não tinha como ir a um barzinho. Como pagaria a conta? E o dinheiro da passagem de volta? Eita vida difícil!

Ela, um pouco arrogante, sem perceber as dificuldades do jovem estudante, despediu-se de forma seca, como que contrariada e foi embora. Ele, de volta para a pensão, caminhava lentamente, ruminando sua frustração. Quando passou em frente a Cantina Star, na Avenida Conde da Boa Vista, dois amigos gritaram seu nome e se ajuntou a eles. Ambos eram irmãos, tinham carro e dinheiro e estavam dispostos a uma noitada divertida. Entre amigos, confessou que não tinha uma pataca. Besteira, disse um deles, vamos à farra. Depois de várias cervejas e muitas risadas, entrou no Fusquinha dos irmãos, já meio tonto. Quando deu por si, estavam à beira-mar, no tal barzinho da moda. Na verdade nem se lembrava de Sonia, mas quando foi ao banheiro, depois de muitas cervejas, quase caiu, quando avistou a bibliotecária se fundindo num beijo de boca, junto ao balcão do bar, com um homem maduro, de cabelos grisalhos.

No wc, seu estomago se rebelou e foi inevitável o vômito. Se refez, lavou o rosto e voltando para os amigos, passou bem pertinho de Sonia, que, agora, com um copo longo nas mãos, dizia alguma coisa no ouvido de seu acompanhante. Hesitou um pouco, mas percebendo que ela sequer havia dado por sua presença, foi sentar-se com seus amigos. Um deles, muito mais animado, disse: “vamos ao Chantecler, ouvir radiola de ficha e pegar umas putas”. “Me deixem em casa”. “Não, você vai com conosco”. Na zona, enquanto os amigos se divertiam, chorou e atraiu a atenção de Marta, uma das mulheres da casa. Naquela mesma noite, conheceu todas as dores dos homens. Excitação, prazer, tristeza, ciúme, raiva e prazer. Este último, gratuitamente, pois Marta, experiente e desocupada naquela noite, resolveu fazer caridade e aproveitar a beleza daquele estudante. Nunca mais voltou a freqüentar a biblioteca e até receava de, casualmente, encontrar com Sonia em algum lugar da cidade.

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